domingo, 4 de maio de 2008

DOMINGOS ESCOLHIDOS

Segundo acto



No dia seguinte. A cena representa a esquina da Rua do Ouro e da Rua Luciano Cordeiro. Multidões de transeuntes e de carros eléctricos. O Honrado chefe de família procura ansiosamente com a vista e com o olfacto alguém conhecido.



CENA I



O Honrado chefe de família, vários desconhecidos, depois o Baptista



Coro de desconhecidos: É singular e que quezília!
Propositado até parece...
Mas nenhum de nós conhece
Este Honrado chefe de família!
(Bailado)
Passam e tornam a passar enquanto o Honrado chefe de família se arrelia a olhos vistos.
O Honrado chefe e família:- E é isto!...Vossas Ex.ª ainda vão ver que sou capaz de estar aqui toda a tarde e não aparece um patife das minhas relações que me empreste o dinheiro necessário para alimentar a minha mulher, os meus filhos, o meu gato e o papagaio até ao final do mês. (Vendo de súbito ao longe o seu amigo mais íntimo e correndo para ele). Oh, Baptista! Caíste como sopa no mel. Não calculas a minha aflição e vais ser um salvador de um homem, duma mulher, de seis crianças e dois animais domésticos, dos quais um canóro e outro mamífero e felino. Emprestas-me cinquenta mil reis?
O Baptista: - Perdão! V. Ex.ª está laborando um grande equívoco. Honny soit qui mal y pense. Eu não sou quem você pensa...
O Honrado chefe: - O quê? Pois não és o Baptista, meu velho amigo de infância?
O Baptista: - (Que o é, mas não está disposto a andar com os cinquenta paus) Quem me dera! Não senhor...V. Ex.ª está confundido. Eu sou aquele a quem chamais vós outros Tormentório e justamente andava por aqui à procura de um camarad a quem pudesse extrair, sem clorofórmio, duzentos escudos que me são urgentes...
O Honrado chefe: - Nesse caso desculpe V. Exª. ( consigo mesmo) É curioso! Nunca vi duas criaturas mais parecidas.
O Baptista: - Efectivamentesou desde muito novo uma das pessoas mais parecidas que há em Lisboa. Já o meu pai era a mesma coisa. (afasta-se)
O Honrado chefe: - (Depois de cismar um largo instante) Sim...É isto mesmo...Não há outro remédio. O homem que rouba para dar de mastigar à sua descendência poderá ser um criminoso à face da lei; mas Deus, que vê tudo, perdoa-lhe, sorri e passa-lhe a mão pelo cabelo. (Sobe a plataforma de um eléctrico que vai à cunha e põe-se a apalpar o bolso do interior do casaco de um sujeito).
CENA II
O Honrado chefe de família e um sujeito amável
O sujeito: - É a minha carteira que procura?
O Honrado chefe: - Era...
O sujeito : - Sinto muito; mas furtaram-ma há bocado num carro do Rio de Janeiro. Também quem a levou não ganhou o dia. Tinha dentro três mil e quinhentos, quando muito...
O Honrado chefe: - (apeando-se) Ora bolas!...Experimentemos. Vou à batota ali de cima. Chego e faço uma parada de boca. Se ma aguentarem e saírem dois grandes, é a forma de poder dar de comer aos meus pequenos.
CENA III
O Honrado chefe e o porteiro da casa de jogo
O porteiro: - Que desja o cavalheiro?
O honrado chefe:- Jogar despreocupadamente dez mil reis ao grande no nobre jogo da chamada banca francesa.
O porteiro: - Isso também eu queria!
As batotas estão fechadas por uns dias. Tanto que vai haver três revoluções por causa disso...
O Honrado chefe: - Decididamente tudo se volta contra mim. Inferno e maldição!...
cai o pano

1 comentário:

Maria Ostra disse...

Eu acho que estou assim um bocado assim tipo estás a ver assim como o Honrado Chefe de Familia!
;D