quinta-feira, 30 de setembro de 2010

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Poema de uma funcionária cansada


Ela
levanta-se às 8h da manhã,

para entrar às 10.

Ela
prepara o Tupperware
com o almoço para levar,

porque não tem tempo de comer em casa.

Ela
anda 10 minutos a pé,

até à paragem de autocarro,

mais 20 minutos de autocarro,

mais 20 minutos a pé,

para chegar ao trabalho,

porque não tem carro.

Ela
passa 8h em pé,
a servir café
às pessoas
que passam no corredor,
porque não conseguiu emprego na área dela.

Pessoas que nem sequer imaginam

o esforço que

Ela
faz para poder trabalhar.

As pessoas só fazem um esforço (mínimo)

quando é por prazer, não para trabalhar.
"Quem corre por gosto não cansa", diz-se.
Mas

Ela

corre para trabalhar.

Podem pensar, talvez
Ela
goste de trabalhar!

Não, ninguém gosta de trabalhar,

é uma obrigação
e ninguém gosta de obrigações!

Ela

pensa em voltar para a praia...

Lá,

Ela
tem um quase Príncipe Encantado,
num quase Palácio de Fadas,

num quase
"viveram felizes para sempre..."

domingo, 26 de setembro de 2010

Rifa-se um coração, Clarice Lispector


"Rifa-se um coração Rifa-se um coração quase novo. Um coração idealista. Um coração como poucos. Um coração à moda antiga. Um coração moleque que insiste em pregar peças no seu usuário. Rifa-se um coração que na realidade está um pouco usado, meio calejado, muito machucado e que teima em alimentar sonhos e, cultivar ilusões. Um pouco inconseqüente que nunca desiste de acreditar nas pessoas. Um leviano e precipitado coração que acha que Tim Maia estava certo quando escreveu... "...não quero dinheiro, eu quero amor sincero, é isso que eu espero...". Um idealista...Um verdadeiro sonhador... Rifa-se um coração que nunca aprende. Que não endurece, e mantém sempre viva a esperança de ser feliz, sendo simples e natural. Um coração insensato que comanda o racional sendo louco o suficiente para se apaixonar. Um furioso suicida que vive procurando relações e emoções verdadeiras. Rifa-se um coração que insiste em cometer sempre os mesmos erros. Esse coração que erra, briga, se expõe. Perde o juízo por completo em nome de causas e paixões. Sai do sério e, às vezes revê suas posições arrependido de palavras e gestos. Este coração tantas vezes incompreendido. Tantas vezes provocado. Tantas vezes impulsivo. Rifa-se este desequilibrado emocional que abre sorrisos tão largos que quase dá pra engolir as orelhas, mas que também arranca lágrimas e faz murchar o rosto. Um coração para ser alugado, ou mesmo utilizado por quem gosta de emoções fortes. Um órgão abestado indicado apenas para quem quer viver intensamente contra indicado para os que apenas pretendem passar pela vida matando o tempo, defendendo-se das emoções. Rifa-se um coração tão inocente que se mostra sem armaduras e deixa louco o seu usuário. Um coração que quando parar de bater ouvirá o seu usuário dizer para São Pedro na hora da prestação de contas: "O Senhor pode conferir. Eu fiz tudo certo, só errei quando coloquei sentimento. Só fiz bobagens e me dei mal quando ouvi este louco coração de criança que insiste em não endurecer e, se recusa a envelhecer" Rifa-se um coração, ou mesmo troca-se por outro que tenha um pouco mais de juízo. Um órgão mais fiel ao seu usuário. Um amigo do peito que não maltrate tanto o ser que o abriga. Um coração que não seja tão inconseqüente. Rifa-se um coração cego, surdo e mudo, mas que incomoda um bocado. Um verdadeiro caçador de aventuras que ainda não foi adotado, provavelmente, por se recusar a cultivar ares selvagens ou racionais, por não querer perder o estilo. Oferece-se um coração vadio, sem raça, sem pedigree. Um simples coração humano. Um impulsivo membro de comportamento até meio ultrapassado. Um modelo cheio de defeitos que, mesmo estando fora do mercado, faz questão de não se modernizar, mas vez por outra, constrange o corpo que o domina. Um velho coração que convence seu usuário a publicar seus segredos e a ter a petulância de se aventurar como poeta."

O Meu Coração; Anaquim

Meu coração é um viajante
Que se entrega num instante
Por ai a onde for

Acha que sabe bem o que eu preciso
Prende-se a qualquer sorriso
Sem motivos de maior

O meu coração é inocente
Pensa que a vida é um mar de rosas
Mas eu que vi espinhos em toda a gente
Afasto essas certezas duvidosas

O meu coração é um bicho muito estranho
Que se esconde e não responde a quem chamei
Alergico ao exterior vive na toca
Onde se esconde e sofoca por não ver entrar o ar

O meu coração vive trancado
Diz que atirou a chave ao mar
E eu que a procurei por todo o lado
Só me resta assim continuar

Coração triste
Não me arrastes em teu passo
Meu corpo insiste em decidir o que faço
Se eu vir que sim ele diz que não
Eu vou bem sem coração
Entre morrer de amor e viver nesta prisão

Coração louco
Não me imponhas o teu vicio
Que a pouco e pouco vou cedendo ao sacrificio
É que eu sei bem que se acordares
E procurares por ai
Encontras outro coração para ti

Já encontraste?
Demoras muito ou quê?

O meu coração é uma criança
Ansiosa pela dança de quem lhe estender a mão
Mas este é caprichoso e inclusivo
É na lista compulsivo que não chega à conclusão

O meu coração segue as novelas
Jubila com as falas das actrizes

O meu carrega histórias de mazelas
E afasta-se desses finais felizes

Coração triste
Não me arrastes em teu passo
Meu corpo insiste em decidir o que faço
Se eu vir que sim ele diz que não
Eu vou bem sem coração
Entre morrer de amor e viver nesta prisão

Coração louco
Não me imponhas o teu vicio
Que a pouco e pouco vou cedendo ao sacrificio
É que eu sei bem que se acordares
E procurares por ai
Encontras outro coração para ti

Falei primeiro a bem por ser assunto de respeito
Mas não deu ouvidos perseguiu naquele jeito

Mudei para as ameaças
Tentei que usasse a razão
Mas é palavra estranha pro meu pobre coração

Farta desses maus tratos fiz as malas e parti
E logo te encontrei com o mesmo modo que eu sofri
A mesma frustração
A mesma pose o mesmo olhar
E em teu toque senti no meu corpo a trupulsar

Juntos rimos de tudo
Só chorámos nas novelas
Fingimos ser crianças e dançámos como elas
Perdemos noite e dia entre histórias e canções
Juntámos nomes, gostos e moradas
E quase sem dar por nada
Encontrámos corações

Coração triste
Não me arrastes em teu passo
Meu corpo insiste em decidir o que faço
Se eu vir que sim ele diz que não
Eu vou bem sem coração
Entre morrer de amor e viver nesta prisão

Coração louco
Não me imponhas o teu vicio
Que a pouco e pouco vou cedendo ao sacrificio
É que eu sei bem que se acordares
E procurares por ai
Encontras outro coração para ti

Hoje é dia do CORAÇÃO! Tratem-no bem!

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Sexta-feira à noite, Maria Colasanti

os homens acariciam o clitóris das esposas
com dedos molhados de saliva.

O mesmo gesto com que todos os dias

contam dinheiro papéis documentos
e folheiam nas revistas
a vida dos seus ídolos.

Sexta-feira à noite
os homens penetram suas esposas
com tédio e pénis.
O mesmo tédio com que todos os dias
enfiam o carro na garagem
o dedo no nariz
e metem a mão no bolso
para coçar o saco.

Sexta-feira à noite
os homens ressonam de borco
enquanto as mulheres no escuro
encaram seu destino
e sonham com o príncipe encantado.

domingo, 12 de setembro de 2010

sábado, 11 de setembro de 2010

O fio da fábula, Jorge Luis Borges

O fio que a mão de Ariadne deixou na mão de Teseu (na outra estava a espada) para que este se aventurasse no labirinto e descobrisse o cen­tro, o homem com cabeça de touro ou, como pretende Dante, o touro com cabeça de homem, e o matasse e pudesse, já executada a proeza, de­cifrar as redes de pedra e voltar para ela, para o seu amor.

As coisas aconteceram assim. Teseu não podia saber que do outro la­do do labirinto estava o outro labirinto, o do tempo, e que num lugar já fixado estava Medeia.

O fio perdeu-se, o labirinto perdeu-se também. Agora nem sequer sabemos se nos rodeia um labirinto, um secreto cosmos ou um caos oca­sional. O nosso mais belo dever é imaginar que há um labirinto e um fio. Nunca daremos com o fio; talvez o encontremos e o percamos num acto de fé, num ritmo, no sono, nas palavras que se chamam filosofia ou na mera e simples felicidade.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

"eu sei que vou chorar a cada ausência tua, eu vou chorar,mas cada volta tua há-de apagar o que esta ausência tua me causou!"

"A virgem e o cigano" D. H. Lawrence

" Esta tarde, sentia intensamente que aquela era uma casa para si: o acampamento cigano, o fogo, o banco, o homem com o martelo, a velha encarquilhada.
Fazia parte da sua natureza ter destes ataques de ardente desejo por um qualquer lugar dela conhecido; de estar num certo lugar, com alguém que de algum modo significasse "lar" para si. Esta tarde, era o acampamento de ciganos. O homem vestido de verde fazia desse acampamento o seu lar. Estar onde ele estava era estar num lar. As carroças, os garotos, as outras mulheres: tudo era natural, era o seu lar, era como se tivesse lá nascido."

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Mudanças

Enquanto andava à caça de emprego na internet, porque estava desempregada há quase dois meses, um amigo pediu-lhe um conselho.
Ele tinha duas propostas de emprego e não sabia por qual decidir-se. Uma era aliciante pelo dinheiro, mas implicava sair do país, outra era aliciante, porque podia dar-se ao luxo de continuar no seu cantinho e na sua vida-vidinha.
Ela disse-lhe: "Vê lá o que é melhor para ti!"
Depois de dizer aquilo sentiu-se estúpida de ter dito apenas aquilo! Isso vindo de uma pessoa que não conseguia decidir o que queria da vida há já dois meses até parecia gozo!
O Verão estava a acabar, mas ela ainda queria aproveitar mais um pouco de Sol...