sexta-feira, 30 de maio de 2008

Sem resposta

Sofro,
E o meu coração é de pano verde,
estraçalhado,
E o meu Amor
tem os olhos tristes...

quarta-feira, 28 de maio de 2008


Vénus

Como pôde
aquela que
nascida das ondas,
transportada pelos Zéfiros até à terra,
e aí acolhida pelas Horas,
vestida de maiores finezas,
seus cabelos com flores entrançados,
conduzida para junto dos Imortais
e por Hefesto, Ares e Adónis disputada,
qual mais pura pomba ou mais bela rosa,
gerar, cego, um menino?

segunda-feira, 26 de maio de 2008

Lista de clientes de uma Call girl

Ela: Boa noite, fala Ela Pimpinela! Em que posso ser útil?
Cliente: Blá blá blá…
Ela: Eu estou a falar com?
Cliente: Ermelinda Estragadinho Perna Torta.
Ela:--------------------------

domingo, 25 de maio de 2008

DOMINGOS ESCOLHIDOS

CENA III
Os mesmos, a esposa e o calendário
A eposa : (entrando e vendo o falecido) - Serapião!Ex-pai dos meus filhos!...(cai de joelhos, soluçando).
O calendário: (descendo da parede, erguendo-a do chão e amparando-a) - Ânimo, minha senhora! De resto, a perda não é grande. Este homem era um espírito fraco e inferior. Outro fosse ele e, quando V. Exª no dia 25 lhe disse que só havia dinheiro para três dias, teria exclamado, com o sorriso nos lábios: "Calha bem!Este mês de Fevereiro só tem 28"...
FIM

sexta-feira, 23 de maio de 2008

Como havemos de estar!?

ELE: Olá, como estás?
ELA: (pensa, Como estou? hum… Digo a verdade ou a resposta do costume…A verdade, sempre a verdade!
A) Preocupada, a minha mãe tem dívidas para pagar.
B) Impotente, as minhas irmãs sofrem por amor.
C) Triste, não tenho tempo para as pessoas de quem gosto.
D) Desiludida, o meu trabalho não é o que eu esperava.
E) Amargurada, sinto-me distante do Amor.
F) Resposta standard :Beeeeem…
Escolhe a última resposta.)
Bem, estou bem. E tu?
ELE: Também!
O sol desce, dá lugar à lua. O escuro cai sobre Ela, como o pano no final de uma peça de teatro. Ela deseja que tudo se trate de um sonho.

quarta-feira, 21 de maio de 2008


"NÃO POSSO ADIAR O AMOR", Antonio ramos rosa

"Não posso adiar o amor para outro século
nao posso
ainda que o grito sufoque na garganta
ainda que o ódio estale e crepite e arda
sol montanhas cinzentas

Não, não posso adiar este abraço
que e uma arma de dois gumes
amor e ódio

Não posso adiar
ainda que a noite pese séculos sobre as costas
e a aurora indecisa demore
nao posso adiar para outro século a minha vida
nem o meu amor
nem o meu grito de libertação

Nao posso adiar o coração"

terça-feira, 20 de maio de 2008

Os fantasmas

Os fantasmas não são brancos,
São negros e engolem-nos na escuridão,
Os fantasmas não têm forma de homem,
São uma bola de ferro, agrilhoada ao nosso pé,
Os fantasmas não vêm do além,
Vivem dentro de nós,
Os fantasmas não assustam só à noite,
Estão sempre a meter medo.
Eu tenho medo dos fantasmas,
Eles não matam, mas atormentam.

domingo, 18 de maio de 2008

DOMINGOS ESCOLHIDOS

CENAII
O honrado chefe e os seus filhos
O primeiro filho: Ó pai, já não tenho botas...
O segundo: ó pai, vêem-se através das minhas calças rotas toda a espécie de panoramas pitorescos...
O terceiro: Ó pai, compra-me um monóculo...
O quarto: Ó pai, leva-me ao animatógrafo...
O quinto (que é uma filha): Papá, gostava de aprender piano, bordados, pirogravura e fox-trot...
O sexto (que já faz a barba): Papá, precisava de tomar alguma coisa para as escrófulas...
Os seis: Pai, Já que nos puseste neste mundo de enganos, satisfaz todos os caprichos das nossas imaginações adolescentes...
O honrado chefe: E mal sabem eles que não tenho com que os sustentar amanhã. (Quer levantar-se, mas as forças faltam-lhe) Meus filhos! Meus queridos...
Os seis: Que tem papá?
O honrado chefe (levando a mão ao coração): É o fim. Ides ficar muitíssimo orfãos.Dizei à vossa mãe estremosa, que morro de desgosto por não ter que lhes dar de comer. (Cambaleia e cai redondamente morto)

domingo, 11 de maio de 2008

DOMINGOS ESCOLHIDOS

TERCEIRO ACTO
Daí a dois dias. O cenário é o mesmo do primeiro acto. O Honrado chefe de Família está sentado no chão por ter vendido há muito a mobília a poco e pouco. Deixa cair a fronte pensativa nas mãos febris e descarnadas.
CENA I
O honrado chefe de Família e os seus botões
O Honrado chefe de Família: Adivinho que não poderei resistir a este desgosto. Sinto avizinhar-se a passos gigantescos a terrível comoção cerebral, que me vai libertar deste martírio. Acaba-se hoje o dinheiro cá em casa. É o terceiro dia. Nada nos resta que vender ou empenhar. Não tenho quem me valha nesta aflição. Sou incontestavelmente um cavalheiro muitíssimo encravado. Toda a minha vida fui um homem de bem, cumpri sempre os meus deveres, nunca abusei dos meus direitos e amanhã não terei que dar de trincar aos meus filhos. Se, ao menos, fosse pelicano, arrancaria do peito a carne que os alimentasse. Mas não...( Apalpando-se) Não há maneira de sacar desta minha plástica nem sequer meio bife do lombo. Só tenho a pele e o osso...( Cambaleando) É a primeira vertigem...É a morte que se aproxima...( Indo à porta) Meus filhos!...
Os botões: ( Uns para os outros) E quantos dramas semelhantes haverá por esta Lisboa!

quarta-feira, 7 de maio de 2008

Vaso sem flor

Cérebro feminino procura cérebro masculino ( e não cabeça ) para fazer amizade!

domingo, 4 de maio de 2008

DOMINGOS ESCOLHIDOS

Segundo acto



No dia seguinte. A cena representa a esquina da Rua do Ouro e da Rua Luciano Cordeiro. Multidões de transeuntes e de carros eléctricos. O Honrado chefe de família procura ansiosamente com a vista e com o olfacto alguém conhecido.



CENA I



O Honrado chefe de família, vários desconhecidos, depois o Baptista



Coro de desconhecidos: É singular e que quezília!
Propositado até parece...
Mas nenhum de nós conhece
Este Honrado chefe de família!
(Bailado)
Passam e tornam a passar enquanto o Honrado chefe de família se arrelia a olhos vistos.
O Honrado chefe e família:- E é isto!...Vossas Ex.ª ainda vão ver que sou capaz de estar aqui toda a tarde e não aparece um patife das minhas relações que me empreste o dinheiro necessário para alimentar a minha mulher, os meus filhos, o meu gato e o papagaio até ao final do mês. (Vendo de súbito ao longe o seu amigo mais íntimo e correndo para ele). Oh, Baptista! Caíste como sopa no mel. Não calculas a minha aflição e vais ser um salvador de um homem, duma mulher, de seis crianças e dois animais domésticos, dos quais um canóro e outro mamífero e felino. Emprestas-me cinquenta mil reis?
O Baptista: - Perdão! V. Ex.ª está laborando um grande equívoco. Honny soit qui mal y pense. Eu não sou quem você pensa...
O Honrado chefe: - O quê? Pois não és o Baptista, meu velho amigo de infância?
O Baptista: - (Que o é, mas não está disposto a andar com os cinquenta paus) Quem me dera! Não senhor...V. Ex.ª está confundido. Eu sou aquele a quem chamais vós outros Tormentório e justamente andava por aqui à procura de um camarad a quem pudesse extrair, sem clorofórmio, duzentos escudos que me são urgentes...
O Honrado chefe: - Nesse caso desculpe V. Exª. ( consigo mesmo) É curioso! Nunca vi duas criaturas mais parecidas.
O Baptista: - Efectivamentesou desde muito novo uma das pessoas mais parecidas que há em Lisboa. Já o meu pai era a mesma coisa. (afasta-se)
O Honrado chefe: - (Depois de cismar um largo instante) Sim...É isto mesmo...Não há outro remédio. O homem que rouba para dar de mastigar à sua descendência poderá ser um criminoso à face da lei; mas Deus, que vê tudo, perdoa-lhe, sorri e passa-lhe a mão pelo cabelo. (Sobe a plataforma de um eléctrico que vai à cunha e põe-se a apalpar o bolso do interior do casaco de um sujeito).
CENA II
O Honrado chefe de família e um sujeito amável
O sujeito: - É a minha carteira que procura?
O Honrado chefe: - Era...
O sujeito : - Sinto muito; mas furtaram-ma há bocado num carro do Rio de Janeiro. Também quem a levou não ganhou o dia. Tinha dentro três mil e quinhentos, quando muito...
O Honrado chefe: - (apeando-se) Ora bolas!...Experimentemos. Vou à batota ali de cima. Chego e faço uma parada de boca. Se ma aguentarem e saírem dois grandes, é a forma de poder dar de comer aos meus pequenos.
CENA III
O Honrado chefe e o porteiro da casa de jogo
O porteiro: - Que desja o cavalheiro?
O honrado chefe:- Jogar despreocupadamente dez mil reis ao grande no nobre jogo da chamada banca francesa.
O porteiro: - Isso também eu queria!
As batotas estão fechadas por uns dias. Tanto que vai haver três revoluções por causa disso...
O Honrado chefe: - Decididamente tudo se volta contra mim. Inferno e maldição!...
cai o pano

sábado, 3 de maio de 2008

A idade da inocência, Edith Wharton

" Uma coisa ele sabia que tinha perdido: a flor da vida. Mas pensava nela como uma coisa tão inantingível e improvável que lamentar-se seria como desesperar porque não se ganhou o primeiro prémio da lotaria. Havia cem milhões de bilhetes na sua lotaria e só um prémio. As chances foram todas definitivamente contra ele."
***
"A sua afirmação - as mulheres deviam ser livres, livres como nós - ia até ao fundo de um problema que no seu mundo se convencionara não existir. "Boas" mulheres, embora injustiçadas, nunca exigiriam o género de liberdade que ele pensava, e homens de espírito generoso como ele ficavam - assim no calor do argumento - cavalheirescamente prontos para conceder-lha."
***
" Desde então não houvera mais comunicação entre eles e ele tinha construído dentro de si uma espécie de santuário em que ela estava entronizada entre os seus pensamentos secretos e a saudade. Pouco a pouco tornou se o cenário da vida real, das suas actividades racionais; daí trazia os livros que lia, as ideias, e os sentimentos que o atormentavam, os julgamentos e visões. Fora dele, no cenário da sua vida presente, movia-se com um sentido presente de irrealidade e insuficiência, debatendo- se contra preconceitos familiares e pontos de vista tradicionais como um homem distraído vai de encontro à mobília do quarto. Ele estava tão ausente de tudo o que era real e tão próximo dos que estavam à sua volta que às vezes sobressaltava-o descobrir que eles ainda o imaginavam ali."
***
"- Não me esperava hoje?
- Oh, não.
- Eu pensava ir a Washington vê-la. Já tinha tudo planeado. Quase me cruzei consigo no comboio.
- Oh - exclamou ela como que aterrada pelo quase desencontro.
- Sabe, quase não me lembrava de si.
- Quase não se lembrava de mim?
- Isto é, como hei-de explicar? É sempre assim: de cada vez, você acontece-me outra vez.
- Oh, sim, eu sei, eu sei.
- Acontece, eu também para si? - insistiu.
Ela acenou, olhando para fora da janela.
- Ellen, Ellen, Ellen.
Ela não respondeu e ele sentou-se em silêncio vendo o perfil dela tornar-se indistinto contra o lusco-fusco entardecido de neve, para lá da janela. Que tinha ele feito em todos aqueles quatro meses - pensou -, como afinal sabiam pouco um do outro! Os momentos preciosos estavam a passar, mas ele esquecera-se de tudo o que pensara dizer-lhe e só podia pensar, desamparado, no mistério do seu afastamento e da sua proximidade, que parecia ser simbolizado pelo facto de eles se sentarem tão junto um do outro e de, no entanto, não conseguirem ver o rosto um do outro."

quinta-feira, 1 de maio de 2008


Um dia...

Trouxe-te até mim, serenamente,
assim como o rio desemboca no mar.
Depois de tantos anos de solidão e espera,
chegava a hora da quebra do meu encanto.
Pela boca das sereias soprei as minhas palavras,
indique-te o caminho.
Tu chegaste e devolveste-me a forma mais frágil.
Esqueceste a tua antiga Penélope
e entregaste – te à minha ilha,
como se nunca tivesses tido outra vida.
Os outros dizem que te enfeiticei,
mas ambos sabemos que me despojei de todos os meus truques.
Tu despiste as tuas armaduras,
eu pus de lado as minhas poções.
Com o tempo, todos esqueceram
o herói Ulisses e a feiticeira Circe...