segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

"Pedro Páramo"

Li "Pedro Páramo". Li o livro e tive diante de mim uma infinita representação.Vi as personagens como Susana San Juan via os mortos! Talvez porque eu me sinta também meio morta...

É uma obra fantástica, fantasmagórica, dolorosamente real, embora se reporte a uma realidade que eu não conheço. Não conheço nada da América Latina, não conheço nada dos "grandes" senhores e seus capangas, nada das chuvas e dos campos, nada das criadas que têm que se deitar com os seus patrões...

Mas sei alguma coisa dos subjugados, da pobreza e da dor. Conheço os "grandes" e o seu poder, conheço os "pequenos" e a sua fraqueza.

Entendi o misticismo, entendi a morte, entendi a vida. Percebi que se nascermos sem qualquer raíz na terra, nunca mais a encontraremos, se continuarmos a procurar fora e não dentro de nós! Senti qua ainda tenho muito medo da escuridão da noite, porque ela traz consigo fantasmas e a solidão. Reconheci que todo o ser humano acredita na justiça, seja ela feita em vida ou na morte. Senti que as recordações doem muito, sejam elas boas ou más. Às boas acho que chamamos saudade, e a saudade queima como a febre do Inferno...


"Ele acolhia-me nos seus braços. Dava-me amor."


Percebi a fraqueza do Homem, percebi a força das relações, do amor, reconheci a loucura!


" Tenho a boca cheia de ti, da tua boca. Os teus lábios apertados, duros como se mordessem, comprimindo os meus lábios..."


Não sei se deambulei por uma cidade fantasma, se sonhei...


sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008


"A Queda ou a Cilada"

"O homem caiu numa armadilha e a bondade não lhe serve de nada nesta nova ordem.
Hoje em dia impera um clima de absoluta indiferença.
O bem e o mal, o pessimismo e o optimismo são questões de grupo sanguíneo, não de desígnios angélicos.Quem quer que fosse que tratava de nós e se preocupava connosco, esse foi substituído por alguém que se regozija com a nossa servidão à matéria e às partes mais vis da nossa natureza."
Lawrence Durrell

domingo, 17 de fevereiro de 2008

"Orlando"

Finalmente vozes, há muito adormecidas, chamam por mim! Tenho novamente necessidade de ler...Despertei de novo para a Literatura, e com a mesma ingenuidade da primeira vez que abri um livro!
Não sei se foi Anaïs, Flannery, Emily ou Virginia...Sei que, quando leio, sinto a força delas e a vida faz muito mais sentido!
-NÃO POSSO EMBRUTECER:É a minha prece ao deitar.
Tem-me ajudado a distância dos amigos, ou a Literatura substitui o vazio...

Achei "Orlando" bastante subtil na troca de identidade corporal. Homem ou Mulher?
Como pode ter sido homem, se gerou filhos dentro de si?! E como pode ter sido mulher se fez com que outras engravidassem? Para não falar do facto de parecer ter vivido durante 300 anos, atravessou três reinados!!!

Suponho que a ideia de Virginia seria a de revelar Vita Sackville-West como intemporal e sobrenatural. Pois penso que o conseguiu.
Gostei particularmente de uma comparação que Virginia fez. Não compreendendo, ainda, se o terá feito ironicamente ou se se reportava apenas inocentemente a uma imagem quotidiana:
" O gesto mais banal (...) sentar-se a uma mesa e puxar para junto de si o tinteiro, pode agitar mil fragmentos soltos (...) desfraldando-se como a roupa interior de uma família de catorze pessoas a secar num estendal, ao sabor do vento."

De resto aqui ficam algumas palavras para ti:

"Lembrava com orgulho que sempre o haviam tido na conta de erudito, e zombado do seu amor pela solidão e pelos livros."

" Tão gradual é o processo que só chegamos a aperceber-nos da presença do mal quando erguemos uma cómoda ou um balde de carvão e ele se nos desconjunta nas mãos."

sábado, 16 de fevereiro de 2008

Se (inspirado nos versos de Ruyard Kipling)

" Se és capaz de manter sereno o coração,
Quando a vida ao redor te é ingrata e ferina,
De sempre crer no amor que é todo compreensão,
Ter no exemplo do gesto, a beleza que ensina;
Se és capaz de confiar no bem que semeares,
Mas, sem frutos talvez que tu posss colher;
E sendo criticada, não desesperares,
Cumprindo com fervor, consciente, o teu dever;


(...)
Se é capaz de reinar com o ceptro da bondade,
Dando a quem precisar, conselho animador,
E vencer a mentira ensinando a verdade,
De que só é feliz quem distribui amor;
Se és capaz de chorar, vendo alguém a sofrer,
E venturosa ser, vendo alguém se alegrar;
Abraçar o ideal de, pelo bem viver,
E nele ser capaz de tudo suportar;
Se és capaz de ser (...)irmã, (...) e amiga,
Mas sobretudo o amparo, a luz, a devoção,
Dos que a teu lado estão na constante fadiga,
Dando a paz que é precisa a cada coração;
(...)
És, (...), então, realmente MULHER!... "
Vera Viana (De "Ateneia", Porto Alegre)

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

Penélope

Chamam-me
a viúva do marido vivo.
A minha casa está encerrada,
mas por todos os buracos
esgravatam os pretendentes
que rasgam um lar
que outrora foi sagrado.
É de noite e eu teço, eu teço...


Chamam-me
a mais bela.
A minha alma está fechada,
mas por todos os ouvidos
falam os amantes
que envilecem um corpo
que outrora foi puro.
Os meus olhos estão cegos
e eu teço, eu teço...


Chamam-me louca.
O meu coração está apertado,
mas por todas as veias
fervilha a humilhação, a angústia, a impotência,
que enraivecem a mulher
que outrora foi dócil.
As minhas mãos estão inchadas
e eu teço, eu teço.


Querido Ulisses!
Por que mares de afastamento navegas?
Que vozes de sereias ou feiticeiras ouves?


Chamam-me mãe.
O meu útero está seco,
mas por todos os membros
me agarra o filho
que outrora foi amado!
Os meus dedos estão picados
e eu teço, eu teço...


Desejado Ulisses!
Assim como te perdes em barcos de solidão,
também eu quero estar perdida!...

terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

Coro das Bacantes (Ditirambo)

"Pelo fogo da língua,

pelo sopro e o contágio da língua.

Pela boca,

os buracos do corpo que nos ligam

ao estrume

e ao alimento.

Os buracos do corpo onde entra o homem

e escorrem as sangrias,

por onde nos rebentam as crianças.

Ó bodezinho,

Ó tocador de flauta

que nos leva à loucura.

ó tu, o mais terrível

e o mais doce dos deuses.

Ó dançarino,

ó condutor de feras.

Pelo fogo da língua te chamamos,

ó mugidor.





À roda, à roda, à roda,

oh, a cabeça à roda para trás,

essa cabeça

separada do corpo,

cabeça sacudida,

ombros picados

pelo grande aguilhão.

Ah, raparigas,

será isto o amor?





Dionisyos Baccheios!

Euoi, euoi!lú-lú!

Deita-nos o teu cuspo,

o cuspo de oiro

que nos faz rir

e levantar as saias.

O teu belo bastão

onde se enroscam

a vide e a folha de hera.

Oh, que escorra essa espuma

pela nossa barriga,

que nos faça deitar,

ó touro. Ó gritador!





Dionysos Bromios!

Euoi, euoi!

Chegou o ruidoso!

O deus que se ouve ao longe

a ribombar,

a remoer,

a comover a terra.

E galopa, galopa,

esta criança

com seus cascos azuis.

O perseguido

que ama perseguir.

Ah, o grande insensato,

o passageiro,

o risonho senhor

da escuridão.

Oh, por onde nos levas?

Para onde?

O som da tua flauta enrosca,

enrosca,

desce pelas goelas,

queima e encharca.

À roda, à roda, à roda,

raparigas.

Temos o deus em nós.

É isto o amor?





Euoi, iú-iú!

Euoi, ó Baco!

Ah, que longe está Tebas,

longe a lei.

Longe os terraços,

longe os leitos, oh!

Dá-nos o gozo, ó deus,

escorrega e arde,

delícia das entranhas, saborosa

perdiçao dos sentidos.

Faz-nos voar.

Arranca-nos soluços.

Amanhã morreremos

e é preferível

pensar que por ti, sim,

valeu a pena.





Ômadios!

Comedor de carne crua!

Euoi! Euoi!lú-lú!

Para os teus dentes agudo,

para as tuas mãos cobertas

de cabelo

atiramos a carne,

a doce carne que fumega.

O corpo desmembrado das pequenas

criaturas macias.

Dos cabritos.

Dos filhos das mulheres.

Das gazelinhas cuja pele

depois

lançamos sobre os ombros.

Para que o sangue circule.

O sangue quente

empurra a Primavera.

Ferve, murmura

sob o animal,

a coisa comestível,

a singular

a sempre condenável

existência dos homens.

Ó deus, tu que enloqueces a quem amas

tanto como a quem queres

aniquilar.

Deus do momento.

Deus multiplicado

Numa dobra da noite.





No minuto

de uma respiração.

Recebe o nosso excesso,

as nossas mãos

capazes de dar morte

sem nenhum instrumento.

Tocamos-te,

ó cinzento deus dos bosques.

Tocamos-te,

atrevemo-nos,

e é tudo.

Toda a história do mundo

há-de esvair-se

como as nossas pegadas.

Deus da treva

e do uivo.

Fiquem uivos

e trevas

porque não há memória

e a alma esquece,

seja qual for o modo de existir.





Ó magnífico caos,

ai, a volúpia

das praças saqueadas.

O gelo tudo cobre

e eis que rebentam

novamente as primícias.

Para coisa nenhuma.

Como as cegas aranhas

lançando as suas teias

sobre a cal.

Sobre os brancos

desertos.





Vivamo pois

profundamente o instante.

O fascinado incêndio,

e vão capricho.

Embala-nos na tua bebedeira,

eleva-nos e deixa-nos cair,

ò mistura do vinho,

ò deus das ventas

nunca saciadas."

(...)