segunda-feira, 31 de março de 2008

T. Chardin

"Amar significa colocar a própria felicidade na felicidade do outro"

A Musa ou Tu e Eu

Deixaste a janela aberta
para eu poder entrar
e adormeceste (porque eu demorei tanto),
ou choras desconsoladamente,
com a cabeça sobre os braços
e nem me ouviste chegar...
O vento que corre lá de fora
apagou a vela da inspiração
em ti
e em mim também,
mas tu não o sabes.
Precisas de mim
e eu já não te posso valer,
apesar disso,
pego na pena,
afincadamente
e tento arrancar de mim
os derradeiros suspiros,
porque não posso deixar morrer
o último Poeta.

sexta-feira, 28 de março de 2008


Sei os teus seios, Alexandre O' Neil

"Sei os teus seios.Sei-os de cor.
Para a frente, para cima,
Despontam, alegres, os teus seios.
Vitoriosos já, mas não ainda triunfais.
Quem comparou os seios que são teus (banal imagem) a colinas!
Com donaire avançam os teus seios,ó minha embarcação!
Porque não há Padarias que em vez de pão nos dêem seios logo p'la manhã?
Quantas vezes interrogastes, ao espelho, os seios?Tão tolos os teus seios!
Toda a noite com inveja um do outro, toda a santa noite!
Quantos seios ficaram por amar?
Seios pasmados, seios lorpas, seios como barrigas de glutões!
decrépitos e no entanto belos como o que já viveu e fez viver!
Seios inacessíveis e tão altos como um orgulho que há-de rebentar em deseperadas, quarentonas lágrimas...
Seios fortes como os da Liberdade-Delacroix-guiando o Povo.
Seios que vão à escola p'ra de lá saírem direitinhos p'ra casa...
Seios que deram o bom leite da vida a vorazes filhos alheios!
Diz-se rijo dum seio que, vencido, acaba por vencer...
O amor excessivo dum poeta:"E hei-de mandar fazer um almanaque da pele encadernado do teu seio"
Retirar-me para uns seios que me esperam há tantos anos, fielmente, na província!
Arrulho de pequenos seios no peitoril de uma janela aberta sobre a vida.
Botas, botirrafas, pisando tudo, até os seios em que o amor se exalta e robustece!
Seios adivinhados, entrevistos, jamais possuídos, sempre desejados!
"Oculta, pois, oculta esses objectos altares onde fazem sacrifícios quantos os vêem com olhos indiscretos"
Raimundo Lúlio, a mulher casada que cortejastes, que perseguistes
Até entrares, a cavalo, p'la igreja onde fora rezar,
Mudou-te a vida quando te mostrou("É isto que amas?")
De repente a podridão do seio.
Raparigas dos limões a oferecerem fruta mais atrevida: inesperados seios...
Uma roda de velhos seios despeitados, rabujando, a pretexto de chá...
Engolfo-me num seio até perder memória de quem sou...
Quantos seios devorou a guerra, quantos, depressa ou devagar, roubou à vida,
à alegria, ao amor e às gulosas bocas dos miúdos!
Pouso a cabeça no teu seio e nenhum desejo me estremece a carne.
Vejo os teus seios, absortos, sobre um pequeno ser..."

quarta-feira, 26 de março de 2008

"O ano do Pénis"

"São a arte e a pornografia, não a política, que nos mostram a autêntica verdade do sexo."
"Liberdade significa rejeitar a dependência."
"A vida é um banquete e os otários morrem à fome."
"A grande arte irradia uma aura misteriosa além do bem e do mal. Expomo-nos literalmente a ela, e só conhecemos os seus efeitos mais profundos anos ou décadas depois."
"Para mim, o pénis erecto é o símbolo definitivo do desejo sexual humano, pois apenas os homens podem mostrar excitação sexual externamente. Nós nunca sabemos se uma mulher está realmente excitada ou não. O seu aparelho reprodutivo permanece interno. Por isso, acho que é de importância crucial para o feminismo fazer regressar o pénis ao centro do palco."
Camille Paglia, em Vampes e vadias

terça-feira, 25 de março de 2008

Distância

Quando estamos longe, prefiro que não me telefones.
O que há para contar sobre a vida no Inferno?!
Não quero que me faças perguntas, para não sentir vergonha quando penso no meu quotidiano aqui em baixo.
E não quero sentir saudades, nem ter curiosidade sobre o que se passa no Céu...



v.

domingo, 23 de março de 2008


Hino à Primavera

Oh, Ninfas do Amor!
Desnudem os pés,
desenvencilhem-se das vestes,
desprendam os cabelos!
Já sinto a Primavera...
Inspirem o aroma frutado da sua cabeça coroada!
Façam-lhe oferendas!
Já escuto os passos dela...
Desabrochem vossos lábios desejosos,
assistindo ao florir dos bosques!
Corram em busca de sacrifícios:
A Àrtemis!
A Dioniso!
A Pã!
Cacem novos veados,
acendam as piras
e dancem à volta delas!
Chamem a Natureza!
Chamem a força feminina!
Chamem Vénus!
A Primavera traz-nos as robustas àrvores de seiva viril
e oferece-nos o seu voluptuoso seio
para descansarmos as nossas cabeças quentes.
No final,
deitemo-nos na erva, orvalhada de fresco,
com os nossos corpos abertos,
mostrando o centro do mundo, ainda húmido,
profanado por Príapo!

terça-feira, 18 de março de 2008

Jakob von Guten

"Aceito sem reservas, tenho a firme convicção de que os regulamentos tornam a vida de prata, talvez mesmo a dourem, por outras palavras, trazem-lhe mil encantos. Pois o que acontece com o riso proibido e irresistível acontece também com todas as outras coisas e prazeres. Não poder chorar, por exemplo, apenas aumenta o choro. Abdicar do amor, sim, é já amar. Quando não posso amar, amo dez vezes mais. Tudo o que é proibido vive cem vezes mais, aquilo que deveria estra morto, vive com mais vida. E é o mesmo para coisas pequenas ou grandes."
"Se alguma vez, mesmo que tenha sido uma única vez, pequena e quase a desaparecer, me dirigi a si com presunção, em vez de preso pelos sentimentos e correntes da mais pura veneração, então hei-de odiar-me e perseguir-me, hei-de enforcar-me com um braço, envenenar-me com os venenos mais mortais, hei-de cortar o pescoço com facas, não importa quais. (...) Digo a verdade e espero que compreenda que estas palavras nada têm de bajulação. Odeio todas as perspectivas futuras e detesto a vida. (...) Sempre que lia um livro, era a si que lia, não ao livro, a Fräulein era o livro. Sim, é verdade. Muitas vezes me portei mal. (...) E foi sempre tão boa para mim. Demasiado boa para esta cabeça teimosa. (...) Não, não quero sair para a vida, para o mundo. (...) Perturba-a que assim fale? Eu, eu fico contente por falar assim."
" Aqui estamos sempre à espera de alguma coisa, e isso enfraquece. E proibimo-nos sempre de esperar e de estar atentos, porque não é permitido. E também isso consome forças. Muitas vezes a Fräulein abeira-se da janela e fica muito tempo a olhar para fora como se vivesse já noutro lugar."
"Mas eu também prezo muito a tristeza, tem muito, muito valor. A tristeza educa. (...) São tão breves as despedidas. Queremos dizer alguma coisa mas esquecemos o que nos passou pela cabeça e acabamos por não dizer nada ou então apenas uma tolice qualquer. Despedirmo-nos de alguém ou alguém despedir-se de nós é terrível. Estes momentos sacodem as nossa vidas e sentimos presentemente que não somos nada. Despedidas apressadas são pouco graciosas e despedidas longas são insuportáveis. O que fazer? Bom, dizemos qualquer coisa demasiado simples."
"Pensaríamos no Imperador, no General, muito vagamente, mas ainda assim o imaginaríamos, e isso, seria para nós um consolo. (...) Depois chegariam as recordações, pouco nítidas, e porém de uma nitidez excessiva. Devorariam o meu coração como as feras se lançam à presa bem-vinda, levar-me-iam para o aconchego da casa. (...) A dor quase me levaria à loucura, mas eu continuaria a marchar. (...) Não amaldiçoaria a vida porque a vida já há muito que seria demasiado abominável para ser amaldiçoada, não sentiria dor, porque a dor já há muito teria sido usada e gasta pelas minhas emoções."
Robert Walser

segunda-feira, 17 de março de 2008


Eva expulsa do Paraíso

Hoje comi uma laranja e lembrei-me de Adão.
Foi ele que me ensinou a descascar este fruto!

domingo, 16 de março de 2008

"Olhos azuis, cabelo preto", Marguerite Duras

"Ele aproxima-se dela. Pergunta-lhe de que descansa, que cansaço é aquele. Sem responder, sem mesmo olhar, ela levanta a mão e acaricia-lhe o rosto por cima dela, os lábios, o contorno dos lábios, ali onde gostaria de beijar; o rosto resiste, ela continua a acariciar, os dentes serram-se, o rosto recua. E a mão dela cai.

Ele pergunta se é a esse contrato que ele fez da presença dela perto dele que ela chama sono. Ela hesita e diz que talvez, sim, que é assim que ela deve ter entendido a coisa, ou seja, que ele desejava tê-la perto mas escondida pelo sono, com o rosto anulado pela seda preta como se fosse por outro sentimento.

Ele ri, confuso por ter percebido a que ponto a conivência entre os dois era grande. Depois bruscamente vê que ela já não ri, que o deixa, que o olha como se ele fosse adorável, ou estivesse morto. E depois vê que ela regressa. Ainda tem no olhar um brilho de perdição que acaba de atravessar na presença dele.
Não falam daquele medo. Ela sabe menos do que ele que se passou qualquer coisa.Ficam muito tempo longe um do outro, tentando reencontrar o que aconteceu quando se olharam, esse terror de que ainda não tinham nenhum conhecimento.

Ela diz que sempre que ele fala em se ir embora ela ouve os cães da morte na cabeça e à volta da casa.
Ela pergunta-lhe: Para o estrangeiro, fazer o quê? Ele não sabe, talvez nada, talvez um livro. Talvez encontrar alguém. Espera como se fosse por um último encontro antes de morrer.
Ela dorme. Ele fala-lhe enquanto ela dorme.

Compensação

Este ano o Pai Natal foi muito generoso comigo, materialmente.
Sinto-me só e vou às compras
Estou tentada a viver a máxima do materialismo:
Ser/Ter
Fico triste por ser mulher.

quarta-feira, 12 de março de 2008

" O poeta"

"Para um campónio dinamarquês do seu tipo a ideia de acabar com a vida não custa a conceber.
A vida nunca lhes parece - nem é, de resto - uma grande maravilha, e o suicídio, seja por que forma for,é, digamos, a sua maneira natural de morrer.(...)
Ele sentira o destino comum dos seus iguais, que é ser, como se feitos de matéria essencialmente diferente do resto da humanidade, invisível para os outros."
Sete contos Góticos, Karen Blixen

sábado, 8 de março de 2008

Elas

Entristeço-me,
porque consigo apiedar-me de uma estranha
e dela não.
Aquela é velha, ela não.
Aquela é louca, ela não.
Aquela é triste, ela não.
Aquela mulher gorda não desperta em mim nada mais que pena.
Desconheço-a.
A ela odiei-a,
porque um dia a amei demais.
Porque ela era jovem e destemida!
A ela odiei-a,
porque descobri que ela era fraca e irracional.
Não posso ter pena dela,
porque a conheço.
Não pode fraquejar, porque é sangue do meu sangue.
Não é Deusa,nem Heroína, apenas mulher.
Não tenho pena dela porque a compreendo.

terça-feira, 4 de março de 2008


O sonho de Penélope

Esta noite sonhei com Ulisses.
Vi-ocomo se o tempo não tivesse passado,
vi-o cada vez mais perto, mais perto...
Falei-lhe
como se fossemos dois estranhos,
senti-o
com se fossemos dois amantes.
Tinha a cabeça a andar a roda, tudo isto é um sonho, um sonho...
Não fales,
não penses,
tudo isto é um sonho!
Ouve apenas,
sente apenas...
É
um
sonho...

Acordo.Ulisses está vivo.Ulisses virá!