sábado, 6 de dezembro de 2008

"Give me the words that tell me nothing…"

Sentada no chão, ao canto da sala, respira lentamente, tenta não chorar.
Lembra-se ainda do primeiro beijo e de como tudo parecia maravilhoso. Ama-o. A canção "It´s getting better all the time" parece escarnecer dela. Ao longo do tempo o amor pelo outro construiu barreiras invisíveis entre ambos.
Olha as estrelas através da janela e pergunta-se o que fez de errado. A culpa, sempre a culpa. A mea culpa.
Já passa da hora de jantar e ele não aparece. O empadão continua no forno, à espera de ser aquecido, tal como o coração dela.
Lembra-se do que sentiu quando conversaram a primeira vez e recorda os seus gestos habituais.
A torneira da casa de banho continua a pingar, irritando-a, mas nem essa irritação a obriga a mexer-se.
Pensa no que há-de fazer, "as palavras já estão gastas"; o mais acertado seria ir-se embora. Mas para ela seria tão doloroso. Muito mais doloroso do que aquilo porque passava há três anos. Por que é que o ser humano é tão comodista?! Dá dó vê-lo acomodar-se às situações mais insólitas.
Amava-o ou tinha medo de começar uma vida nova? Sozinha…Sempre tivera medo de mudanças e o medo de ficar sozinha aterrorizava-a.
Não conteve mais a tortura da incapacidade e chorou.
O telefone toca: era ele. A voz rouca e baixa. Havia interrupções na linha telefónica. Ele diz que está no aeroporto. Que está confuso. Ela pergunta-lhe, infantilmente, se ele vem jantar. Limpa as lágrimas e agradece ele ter telefonado. Desligam.
O silêncio parece engoli-la. Vagueia pela sala e tudo parece um sonho enevoado, daqueles em que apenas pensamos que aquela pessoa somos nós, mas podemos não ser.
Acende as luzes dos candeeiros. Contempla as fotografias, onde todos parecem estar felizes, e olhando não reconhece ninguém.
Depois de alguns momentos, entra na cozinha e deita o empadão fora. Arruma toda a louça, maquinalmente, perfeitamente.
Avança pelo quarto, abre as suas malas. Senta-se na borda da cama e sente um arrepio. A cama está gelada e emana um frio de morte. Nunca quereria dormir naquela cama enorme, sozinha.
Levanta-se e senta-se na secretária de pinho, arranja papel e caneta, escreve a data e, de repente, sentiu-se estúpida. Ela não tinha que dizer nada a ninguém. Não havia ninguém.
Abre a janela, espreita para fora, põe-se de pé e sai por ela, como se apanhasse um comboio.

1 comentário:

Maria Ostra disse...

Medo - vai à merda!

(ultimamente tenho-me lembrado constantemente do poema do O´Neill - Poema Pouco Original do Medo -
"o medo vai ter tudo/...maozinhas cautelosas/enredos quase inocentes/..."; costumo relembrá-lo para exorcizar fantasmas...para amadurecer tomates e clarear os olhos míopes. As vezes, resulta.)