segunda-feira, 28 de julho de 2008

Helena de Tróia


" -Ulisses! - diz Helena, abafando um grito.
- O próprio - responde o mendigo em voz baixa.
Várias recordações afluíram ao espírito da esposa de Páris...Ulisses, rei de Ítaca, o mais astucioso de todos os gregos...Há quanto tempo o não via? Fora um dos seus pretendentes, outrora, quando ela vivia na Grécia, na corte do Rei de Esparta. Nessa altura preferira Menelau, o seu primeiro marido...Como tudo isso já ia longe!
- Que vens cá fazer? - pergunta-lhe.
- Oferecer-te a libertação.
- A libertação?
- Não te finjas admirada. Todos sabem que Páris se aproveitou da ausência de Menelau para te raptar e te trazer aqui, fazendo-te passar por esposa.
- E quem te disse que não concordei?
- Responder com uma pergunta não demonstra grande certeza.
- E se te denunciasse?
- Sei que não o farás.
- Não me desafies, Ulisses. Se queres salvar a pele, vai-te daqui.
- Como queiras.
***
- Vais expulsar-me outra vez?
A sua clarividência não o enganara. Helena não só não revelou a sua presença, como aceitou, sem hesitar, ajudá-lo a roubar Paladion.
***
De repente, Helena deixou de pensar. Atingindo o cimo da cidadela, agitou a tocha combinada. Depois entregou-se à sorte e esperou os acontecimentos.
Eles precipitaram-se com estranha velocidade. Dentro das muralhas, Menelau só pensava em juntar-se àquela que o abandonara vergonhosamente.
-Ela morrerá - havia anunciado vezes sem conta durante a guerra. - Mas só a minha mão a deve ferir. Ai daquele que interferir na minha vigança! (...) Mal saltou a terra, Ulisses procurou Menelau com os olhos, descubriu-o a custo, assistiu ao fim do combate, que culminou na morte de Príamo, e precipitou-se para lhe tentar barrar o caminho.
- Um momento!- gritou.
- Para trás! - respondeu Menelau.
- Primeiro mete a espada na bainha.
- Não te metas nos meus assuntos.
- Mas estes assuntos dizem-me respeito. Tenta ao menos ouvir-me. Se conseguimos entrar na cidade foi graças a Helena. E tu bem o sabes! Se tivesse sido surpreendida em flagarante pelos Troianos, tê-la-iam lapidado. E nós, que lhe devemos a vitória, vamos tratá-la como uma traidora?
-Nessas palavras reconheço o astucioso Ulisses!
-Mas, então, que tens a responder-me?
- Que, ao assegurar o nosso triunfo, talvez se tenha penitenciado da falta cometida contra a Grécia...Mas nada, ouve bem, nada a não ser o seu sangue conseguirá lavar a vergonha com que me cobriu.
***
Parou na soleira da segunda sala. Helena esperava-o imóvel.
Vendo-o aparecer, não disse uma palavra. Baixou os olhos e logo a seguir voltou a erguê-los, esboçou um sorriso tímido mas de uma tal graça que perturbou o herói encolerizado e o fez deixar cair a espada que trazia nas mãos."

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