domingo, 8 de junho de 2008

DOMINGOS ESCOLHIDOS

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"Em 1919 morava eu em Paris, na Avenida Vítor Hugo, no segundo andar, por cima do célebre Potel e Chabot. Defronte havia a loja de monsieur Raoul, cabeleiriero de senhoras e cavalheiros. Em França, os merlans, como se diz em língua verde, só são conhecidas pelo seu primeiro nome, que arvoram pomposamente nas suas tabuletas. Era monsieur Raoul, quem tinha a honra de me cortar o cabelo. A sua loja era dividida por um tabique envidraçado. De um lado barbeava-se e tosquiava-se o sexo forte; do outro ondulava-se e oxigenava-se o sexo frágil. Certa tarde, eu dispusera-me a refrescar um pouco as minhas madeixas revoltas. Esperava tranquilamente o momento de ser " o senhor que se segue", - le premier de ces messieurs - e ouvia o patrão cavaquear com um cliente acerca da última corrida de Auteuil.
De súbito, a porta da rua abriu-se com estrondo. Monsieur Raoul acudiu ao chamado e achou-se na presença de uma senhora gorda, maquillée, de idade indefenida e voz acidulada, que queria ser ondulada imediatamente. Não era possivel, pois todos os gabinetes da secção feminina estavam ocupados. A senhora gorda indignou-se. Tinha marcado hora por telefone, chegava com um atraso de apenas quarenta e cinco minutos e, apesar disso, não podia ser servida. Monsieur Raoul desfazia-se em explicações e cada vez a senhora mais gritava, mais barafustava.
- C'est une indignité! - bradava ela.
Todas estas conversações tinham parado a até mesmo o ruído das tesouras. O dono da casa já não conseguia articular meia frase. A senhora, furibunda, ameaçava-o, não só de nunca mais pôr os pés naquele sale boîte, mas ainda em cima de falar a todas as amigas para que nunca sentissem a tentação de ali entrar.
Por fim, como Monsieur Raoul se limitasse a erguer para o céu desconsolados braços, a vieille dame deu costas , empurrou a porta envidraçada e abalou, rua fora, como um vendaval desencadeado.
O silêncio dos oficiaos e clientes aterrorizados era absoluto. Só eu me atrevi a ir junto de mestre Raoul, absolutamente esmagado pelo destino adverso e perguntar-lhe:
- Quem é esta senhora tão malcriada?
O pobre coiffeur olhou-me tristemente e explicou-me com cerimónia:
- É Madame Jeanne Hugo, a neta do grande poeta.
Foi então que compreendi o bem que tinham feito outrora em fechá-la no quarto escuro e o mal que o grande avô cometera levando-lhe marmelada às escondidas

1 comentário:

Maga Ostrológica disse...

Ah ah ah!
Pois...danada!
:D