quarta-feira, 2 de abril de 2008

Ana Karenina

(...)
"Surpreende-me que os pais consintam. Ao que se diz, é um casamento de amor.
- De amor! - exclamou a embaixatriz. - Onde foram arranjar ideias tão antediluvianas?Quem fala de paixão nos nossos dias?
- Que quer, minha senhora - disse Vronski -, essa velha moda, tão ridícula, continua a não querer ceder o lugar.
- Tanto pior para os que a mantêm! Em matéria de casamentos felizes, só conheço os casamentos de conveniência.
- Seja! Mas não acontece, muitas vezes, que esses casamentos caem desfeitos em pó à aparição dessa paixão que era tratada como intrusa?
- Dê-me licença: por casamento de conveniência, entendo aquele que se faz quando de ambas as partes se passou já pelas loucuras da juventude. O amor é como a escarlatina, é preciso apanhá-lo.
- Nesse caso, devia-se arranjar um processo de o inocular, como as bexigas.
- Durante a minha juventude, estive apaixonada por um sacristão - declarou a princesa Miagki. - Gostava bem de saber se o remédio operou.
- Pondo de parte brincadeiras - disse Betsy - , creio que para conhecer o amor é preciso, primeiro enganar-se, depois reparar o erro.
- Mesmo depois do casamento? - perguntou, rindo, a embaixatriz.
- Nunca é tarde para o arrependimento - disse o diplomata, citando um provérbio inglês.
- Exactamente - aprovou Betsy. - Cometer um erro, repará-lo depois, eis o que importa. Que pensa disto, minha querida? - perguntou a Ana , que escutava a conversa sem falar, com um meio sorriso nos lábios.
- Creio - respondeu Ana, brincando com a luva - que, se há tantas opiniões quantas cabeças, há também tantas maneiras de amar quantos os corações.
(...)
Durante toda essa Primavera, não foi ele próprio e conheceu minutos trágicos.
"Não posso viver sem saber o que sou e com que fim fui posto no mundo", dizia consigo. "E uma vez que não posso alcançar esse conhecimento, torna-se-me impossivel viver."
"No infinito do tempo, da matéria, do espaço, uma bolha-organismo se forma, se mantém um momento, depois rebenta...Essa bolha sou eu!"
Este sofisma doloroso era o único, o supremo resultado do raciocínio humano durante séculos; era a crença final que se encontrava na base de quase todos os ramos da actividade científica; era a convicção reinante, e, sem dúvida porque lhe parecia ser a mais clara, Levine penetrara-se involuntariamente dela. Mas esta conclusão parecia-lhe mais que um sofisma; via nela a obra cruelmente irrisória de uma força inimiga a que importava subtrair-se. O meio de libertar-se estava ao alcance de cada um...E a tentação do suicídio perseguiu tão frequentemente este homem saudável, este feliz pai de família, que ele afastava das suas mãos todas as cordas e não se atrevia a sair com a espingarda.
No entanto, em vez de queimar os miolos, continuou simplesmente a viver.

3 comentários:

Maria Ostra disse...

Ai o A-M-O-R! É vasodilatador e, pronto, está tudo estragadinho! :/

Post-It disse...

Nunca li esta obra prima de Tolstoi, mas dizem que os ultimos capitulos são muito bons.
Já terminaste de ler, não é verdade?
Conta!
:))

Ela disse...

Pois, aconselho!
Um pouco longo, mas vale a pena!