terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

Coro das Bacantes (Ditirambo)

"Pelo fogo da língua,

pelo sopro e o contágio da língua.

Pela boca,

os buracos do corpo que nos ligam

ao estrume

e ao alimento.

Os buracos do corpo onde entra o homem

e escorrem as sangrias,

por onde nos rebentam as crianças.

Ó bodezinho,

Ó tocador de flauta

que nos leva à loucura.

ó tu, o mais terrível

e o mais doce dos deuses.

Ó dançarino,

ó condutor de feras.

Pelo fogo da língua te chamamos,

ó mugidor.





À roda, à roda, à roda,

oh, a cabeça à roda para trás,

essa cabeça

separada do corpo,

cabeça sacudida,

ombros picados

pelo grande aguilhão.

Ah, raparigas,

será isto o amor?





Dionisyos Baccheios!

Euoi, euoi!lú-lú!

Deita-nos o teu cuspo,

o cuspo de oiro

que nos faz rir

e levantar as saias.

O teu belo bastão

onde se enroscam

a vide e a folha de hera.

Oh, que escorra essa espuma

pela nossa barriga,

que nos faça deitar,

ó touro. Ó gritador!





Dionysos Bromios!

Euoi, euoi!

Chegou o ruidoso!

O deus que se ouve ao longe

a ribombar,

a remoer,

a comover a terra.

E galopa, galopa,

esta criança

com seus cascos azuis.

O perseguido

que ama perseguir.

Ah, o grande insensato,

o passageiro,

o risonho senhor

da escuridão.

Oh, por onde nos levas?

Para onde?

O som da tua flauta enrosca,

enrosca,

desce pelas goelas,

queima e encharca.

À roda, à roda, à roda,

raparigas.

Temos o deus em nós.

É isto o amor?





Euoi, iú-iú!

Euoi, ó Baco!

Ah, que longe está Tebas,

longe a lei.

Longe os terraços,

longe os leitos, oh!

Dá-nos o gozo, ó deus,

escorrega e arde,

delícia das entranhas, saborosa

perdiçao dos sentidos.

Faz-nos voar.

Arranca-nos soluços.

Amanhã morreremos

e é preferível

pensar que por ti, sim,

valeu a pena.





Ômadios!

Comedor de carne crua!

Euoi! Euoi!lú-lú!

Para os teus dentes agudo,

para as tuas mãos cobertas

de cabelo

atiramos a carne,

a doce carne que fumega.

O corpo desmembrado das pequenas

criaturas macias.

Dos cabritos.

Dos filhos das mulheres.

Das gazelinhas cuja pele

depois

lançamos sobre os ombros.

Para que o sangue circule.

O sangue quente

empurra a Primavera.

Ferve, murmura

sob o animal,

a coisa comestível,

a singular

a sempre condenável

existência dos homens.

Ó deus, tu que enloqueces a quem amas

tanto como a quem queres

aniquilar.

Deus do momento.

Deus multiplicado

Numa dobra da noite.





No minuto

de uma respiração.

Recebe o nosso excesso,

as nossas mãos

capazes de dar morte

sem nenhum instrumento.

Tocamos-te,

ó cinzento deus dos bosques.

Tocamos-te,

atrevemo-nos,

e é tudo.

Toda a história do mundo

há-de esvair-se

como as nossas pegadas.

Deus da treva

e do uivo.

Fiquem uivos

e trevas

porque não há memória

e a alma esquece,

seja qual for o modo de existir.





Ó magnífico caos,

ai, a volúpia

das praças saqueadas.

O gelo tudo cobre

e eis que rebentam

novamente as primícias.

Para coisa nenhuma.

Como as cegas aranhas

lançando as suas teias

sobre a cal.

Sobre os brancos

desertos.





Vivamo pois

profundamente o instante.

O fascinado incêndio,

e vão capricho.

Embala-nos na tua bebedeira,

eleva-nos e deixa-nos cair,

ò mistura do vinho,

ò deus das ventas

nunca saciadas."

(...)

1 comentário:

Post-It disse...

Euoi!
Fabuloso!
Vi-me grega para cá chegar, Pimpinela! ;D
Mas agora que (te) encontrei, virei mais vezes.
Até já.