"Pelo fogo da língua,
pelo sopro e o contágio da língua.
Pela boca,
os buracos do corpo que nos ligam
ao estrume
e ao alimento.
Os buracos do corpo onde entra o homem
e escorrem as sangrias,
por onde nos rebentam as crianças.
Ó bodezinho,
Ó tocador de flauta
que nos leva à loucura.
ó tu, o mais terrível
e o mais doce dos deuses.
Ó dançarino,
ó condutor de feras.
Pelo fogo da língua te chamamos,
ó mugidor.
À roda, à roda, à roda,
oh, a cabeça à roda para trás,
essa cabeça
separada do corpo,
cabeça sacudida,
ombros picados
pelo grande aguilhão.
Ah, raparigas,
será isto o amor?
Dionisyos Baccheios!
Euoi, euoi!lú-lú!
Deita-nos o teu cuspo,
o cuspo de oiro
que nos faz rir
e levantar as saias.
O teu belo bastão
onde se enroscam
a vide e a folha de hera.
Oh, que escorra essa espuma
pela nossa barriga,
que nos faça deitar,
ó touro. Ó gritador!
Dionysos Bromios!
Euoi, euoi!
Chegou o ruidoso!
O deus que se ouve ao longe
a ribombar,
a remoer,
a comover a terra.
E galopa, galopa,
esta criança
com seus cascos azuis.
O perseguido
que ama perseguir.
Ah, o grande insensato,
o passageiro,
o risonho senhor
da escuridão.
Oh, por onde nos levas?
Para onde?
O som da tua flauta enrosca,
enrosca,
desce pelas goelas,
queima e encharca.
À roda, à roda, à roda,
raparigas.
Temos o deus em nós.
É isto o amor?
Euoi, iú-iú!
Euoi, ó Baco!
Ah, que longe está Tebas,
longe a lei.
Longe os terraços,
longe os leitos, oh!
Dá-nos o gozo, ó deus,
escorrega e arde,
delícia das entranhas, saborosa
perdiçao dos sentidos.
Faz-nos voar.
Arranca-nos soluços.
Amanhã morreremos
e é preferível
pensar que por ti, sim,
valeu a pena.
Ômadios!
Comedor de carne crua!
Euoi! Euoi!lú-lú!
Para os teus dentes agudo,
para as tuas mãos cobertas
de cabelo
atiramos a carne,
a doce carne que fumega.
O corpo desmembrado das pequenas
criaturas macias.
Dos cabritos.
Dos filhos das mulheres.
Das gazelinhas cuja pele
depois
lançamos sobre os ombros.
Para que o sangue circule.
O sangue quente
empurra a Primavera.
Ferve, murmura
sob o animal,
a coisa comestível,
a singular
a sempre condenável
existência dos homens.
Ó deus, tu que enloqueces a quem amas
tanto como a quem queres
aniquilar.
Deus do momento.
Deus multiplicado
Numa dobra da noite.
No minuto
de uma respiração.
Recebe o nosso excesso,
as nossas mãos
capazes de dar morte
sem nenhum instrumento.
Tocamos-te,
ó cinzento deus dos bosques.
Tocamos-te,
atrevemo-nos,
e é tudo.
Toda a história do mundo
há-de esvair-se
como as nossas pegadas.
Deus da treva
e do uivo.
Fiquem uivos
e trevas
porque não há memória
e a alma esquece,
seja qual for o modo de existir.
Ó magnífico caos,
ai, a volúpia
das praças saqueadas.
O gelo tudo cobre
e eis que rebentam
novamente as primícias.
Para coisa nenhuma.
Como as cegas aranhas
lançando as suas teias
sobre a cal.
Sobre os brancos
desertos.
Vivamo pois
profundamente o instante.
O fascinado incêndio,
e vão capricho.
Embala-nos na tua bebedeira,
eleva-nos e deixa-nos cair,
ò mistura do vinho,
ò deus das ventas
nunca saciadas."
(...)