sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Teddy, in Nove Contos de Salinger


"Como é que se sai das dimensões finitas? –(…) - Quer dizer, para pôr as coisas em termos básicos, um bloco de madeira é um bloco de madeira, por exemplo. Tem comprimento, largura…
Não tem. Aí é que se engana- disse Teddy. – Toda a gente pensa que as coisas acabam num ponto qualquer. Mas não. É isso que eu estava a tentar dizer ao Professor Peet. – ( …) As coisas só parecem acabar num ponto qualquer porque a maior parte das pessoas só sabe olhar para as coisas dessa maneira – disse ele. – Mas isso não quer dizer que acabem. – (...) – Importa-se de levantar o braço um segundo, se faz favor? – perguntou.
- O meu braço? Porquê?
- Levante-o. Só um segundo. (…) "Este?", perguntou.
(…) "Que nome dá a isso?", perguntou?
- Como assim? É o meu braço. É um braço.
- Como sabe que é? – perguntou Teddy. – Sabe que lhe chamam um braço, mas como sabe que o é? Tem alguma prova de que é um braço? (…)
"Francamente, isso tresanda a sofisma do pior – disse ele, soprando o fumo. – É um braço, co’s diabos, porque é um braço. Para já, tem de ter um nome para se distinguir de outros objectos. Quer dizer, não se pode simplesmente…"
- Está apenas a ser lógico – disse Teddy, impassível.
- Estou a ser apenas o quê? (…)
- Lógico. Está-me a dar uma resposta normal, inteligente – disse Teddy. – Estou a tentar ajudá-lo. Perguntou-me como saio das dimensões finitas quando quero. Não é a lógica que eu uso, quando o faço. A lógica é a primeira coisa de que temos de nos desembaraçar. (…)
Lembra-se daquela maçã que Adão comeu no Paraíso, como vem na Bíblia? Sabe o que havia naquela maçã? Lógica. Lógica e tretas intelectuais. (…) Por isso, isto é o que eu acho, o que tem de fazer é vomitá-la se quiser ver as coisas como elas são realmente. Quer dizer, se vomitar a maçã, então já não tem mais problemas com blocos de madeira e assim. E fica a saber o que realmente o seu braço é."

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Poema Popular

Na orla do mar
Repousa a sereia,
Esplendorosa rainha das ondas,
Espera a chegada da alma que vai roubar.
Lá longe vem a navegar
Glorioso marinheiro sem par,
Traz no coração a valentia
E nos olhos a esperança sem fim.
Avista-o, o lindo demónio
E logo se põe a cantar.
Valente navegante, foge!
Não te ponhas a escutar,
Que ela é linda,
Mas maldosa,
Não te deixes enganar!
Veleja bem e depressa,
Não te esqueças da promessa,
Lembra-te da doce donzela,
Que te espera e desespera,
Prostrada numa janela,
Do outro lado do mar…



domingo, 22 de fevereiro de 2009

O MUNDO DO SEXO E OUTROS TEXTOS, HENRY MILLER


"Toda a gente quer endireitar o mundo; ninguém quer ajudar o vizinho. Querem fazer de nós homens, sem que o nosso corpo seja levado em conta. Está tudo errado. E Boris também está errado, quando pergunta a Max: - Tens parentes na América? – Conheço a deixa. É a primeira pergunta da Assistente Social. A idade, o nome e a morada, a profissão, a religião e, depois, com um ar muito inocente – o parente mais próximo, por favor! Como se não estivéssemos já fartos de pensar nisso. Como se não tivéssemos dito para connosco milhares de vezes: - Antes a morte do que…
E eles para ali sentados com um ar extremamente simpático, perguntam-nos o nome secreto, o lugar secreto da vergonha, para lá irem a correr bater à porta e despejarem toda a história – enquanto nós ficamos sentados em casa, a tremer e a suar de humilhação."

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Casinha de chocolate

Porque é que o meu quarto
Havia de ter grades?
Porque é tão feio,
Tão escuro,
Tão apertado?
Só posso chorar aqui
Aqui
Onde me fecharam,
Me gradearam,
Me roubaram a inocência.
Todos os dias
Aqui vem a bruxa,
Desdentada, desavergonhada,
Meter-me o dedo na ferida,
A ver se ainda sangra
E cortar-me as tranças,
A ver se fico feia.
Todos os dias
Luto
Com medo de
me transformar num monstro,
eu que um dia fui princesa,
fui menina.

domingo, 15 de fevereiro de 2009

POEMA POSSÍVEL, Eugénio de Andrade

"Olhos postos na terra, tu virás
no ritmo da própria primavera,
e com as flores e os animais
abrirás nas mãos de quem te espera."

sábado, 14 de fevereiro de 2009

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Inocência

Toda a gente me diz: - Corre!
Mas ninguém me diz para onde!...

domingo, 8 de fevereiro de 2009

(Sátira aos HOMENS quando estão com gripe), ANTÓNIO LOBO ANTUNES

"Pachos na testa, terço na mão,
Uma botija, chá de limão, Zaragatoas, vinho com mel,
Três aspirinas, creme na pele
Grito de medo, chamo a mulher.
Ai Lurdes que vou morrer.
Mede-me a febre, olha-me a goela,
Cala os miúdos, fecha a janela,
Não quero canja, nem a salada,
Ai Lurdes, Lurdes, não vales nada.
Se tu sonhasses como me sinto,
Já vejo a morte nunca te minto,
Já vejo o inferno, chamas, diabos,anjos estranhos, cornos e rabos,
Vejo demónios nas suas danças
Tigres sem listras, bodes sem tranças
Choros de coruja, risos de grilo
Ai Lurdes, Lurdes fica comigo
Não é o pingo de uma torneira,
Põe-me a Santinha à cabeceira,
Compõe-me a colcha,
Fala ao prior,Pousa o Jesus no cobertor.
Chama o Doutor, passa a chamada,
Ai Lurdes, Lurdes nem dás por nada.
Faz-me tisana e pão de ló,
Não te levantes que fico só,
Aqui sózinho a apodrecer,
Ai Lurdes, Lurdes que vou morrer."

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009