"Às vezes penso nos namorados que tive e como a minha vida teria sido diferente com cada um deles. Já pensaram nisto?
Já pensaram que, ao ficarmos com determinada pessoa, a nossa vida seguiria outro rumo? Ou seremos nós, a nossa identidade, mais fortes que tudo o resto?
Lembrei-me do Arnaldo porque me reencontrei com ele há uns tempos. Lembrei-me que, na altura em que o conheci, eu era uma miúda cheia de manias (sim, eu devia ser insuportável, felizmente com a idade tornei-me mais doce) e, perante a ternura dele, recuei. Lembro-me dos desenhos que me fez e dos beijos que demos. Há coisas boas guardadas na nossa memória ao fim de muitos anos. Nós mudámos, mas a memória encarrega-se de nos lembrar o que fomos, o que já não temos. Ao Arnaldo não sei se alguma vez pedi desculpa, não sei se ele se apercebeu de quem eu era, o que queria ser. Felizmente nunca quis ser outra coisa senão boa pessoa. Às vezes temos sorte em ter pais bons que nos ensinam o essencial. Eu aprendi com eles o principal e aperfeiçoei o resto.
Ao reencontrar o Arnaldo fiz uma árvore – não dessas tretas familiares em que todos querem descobrir descendência famosa ou nobre, mas das pessoas que beijei, do toque permitido. No tempo em que comecei a namorar, «toque» era só uma palavra romântica, hoje é muito mais do mundo das telecomunicações… «Dás-me um toque?»
Na árvore dos meus namorados não faltam braços fortes e ramificações secundárias. São os braços fortes que me podiam ter feito diferente mas, se quiserem, nos secundários há pormenores determinantes. Pensem nos vossos namorados e namoradas todos e vejam-se a vocês próprios, encontrem-se em atitudes que na altura pareciam inconsequentes e que vieram ditar o vosso futuro. Ou se calhar estou a exagerar e os namorados são só uma escolha que nos permite estender o nosso ego.
Por causa do Arnaldo vi-me mais de vinte anos depois em frente ao espelho a pensar «porque eras assim? Como reagias daquela forma?», e não é que encontre respostas, mas pensar já é uma forma amiga de seguir em frente na busca da perfeição.
Se eu tivesse continuado com o Arnaldo, o Fernando, o Carlos ou o Tiago, dificilmente estaria hoje aqui. E «aqui» é um sítio no deserto. Estou isolada numa casa, num dia cinzento. Estes dias são perfeitos para pensar no passado. A luz demasiado clara dos dias de Verão ofusca o pensamento e as memórias. Se eu tivesse ficado com um deles, onde estaria agora? Quem teria sido? Não é curioso? Terão sido as batalhas seguintes que me fizeram diferente? Poderia eu ter tido uma vida mais pacata sem dar resposta às muitas curiosidades que tinha dentro de mim?
Como se vive uma vida inteira quando temos perguntas constantes dentro de nós e não lhes damos respostas? É que por mais que tentemos apagar a dúvida, ela só pode crescer dentro de nós. O que fiz foi ter seguido o que ouvia. Se quiserem, dediquei a minha vida a ouvir as perguntas que tinha na minha cabeça e a dar-lhes respostas. Aqui fica um pedido de desculpas a todos os namorados, uma vez que tive de seguir em frente. Haverá algum que do outro lado pense «como teria sido a minha vida se eu ainda estivesse com ela? Se eu tivesse escolhido ficar com ela?» Às vezes, mais do que a dúvida é o poder da escolha que nos mói o pensamento. Mas lá está, na escolha já está a dúvida.
O Arnaldo, ouvi dizer, é um homem muito introspectivo. Já o era na altura mas os anos acentuaram-lhe o silêncio. Se me reencontrasse fisicamente agora com ele, havia de querer saber quem era na altura. Se esta ideia que tenho, de ter sido uma miúda caprichosa, correspondia à ideia que guardou de mim.
Sempre que pudermos, devemos ir ao encontro de velhos amores. A memória que guardam de nós pode ajudar-nos a perceber quem somos.
Oh God, make me good, but not yet!"