sábado, 26 de junho de 2010
terça-feira, 22 de junho de 2010
"A mulher destruída", Simone de Beauvoir
"Não sou o tipo de mulher a quem se mente. Orgulho imbecil. Todas as mulheres se julgam diferentes; todas pensam que certas coisas lhes não podem acontecer e todas elas se enganam.
***
Noellie empresta-lhe livros; arma em intelectual. Concordo que não conheço tão bem como ela a literatura e a música modernas. Mas, no conjunto, não sou menos culta, nem menos inteligente do que ela. Maurício escreveu-me uma vez que acreditava mais no meu julgamento do que em qualquer outro porque era, ao mesmo tempo, esclarecido e ingénuo. Procuro exprimir exactamente o que penso, o que sinto: também ele; e nada nos parece mais precioso do que esta sinceridade.***
Mencionou cinco filmes que merecem ser vistos. Impossível. Houve tempo em que podia ir sozinha ao cinema, ou mesmo ao Teatro. É que não estava só. Havia em mim e à minha volta a sua presença. Agora, quando estou só, digo-me: - Estou só. - E tenho medo.***
Sei que hei-de fazer um movimento. A porta abrir-se-á e poderei ver o que está para além dela. É o futuro. A porta do futuro vai abrir-se. Lentamente. Implacavelmente. Estou no limiar. Existe somente uma porta e o que me espia por trás. Tenho medo. E não posso chamar ninguém por socorro. Tenho medo."sexta-feira, 11 de junho de 2010
Em terra de cegos...
Aquela porta estava sempre aberta para todas as pessoas poderem entrar. Dava para a sala da casa que tinha um grande relógio de pé, onde Ela aprendera a ver as horas. O relógio batia as horas e Ela contava 1, 2, 3...e olhava para cima, para a posição dos ponteiros.
Ela, todos os dias, tentava entrar sem ser ouvida, pé ante pé, pelas divisões escurecidas, mas nunca conseguia!
- Quem está aí? - perguntava a dona da casa, do seu quarto de doente.
- É a neta da Ti'Aida! - dizia Ela, baixinho, desiludida.
Mas como é que a D. Beatriz me consegue ouvir a entrar, se eu não faço nenhum barulho!? - pensava Ela. Esta ingénua criatura não sabia que os cegos tinham a audição mais apurada, ninguém lhe tinha dito! Outra coisa que ninguém lhe dizia, era o porquê da casa estar sempre tão escura, sempre com as janelas fechadas. Se a velha dona não podia ver, que diferença fazia? Era como se a casa se tivesse tornado tão doente como a dona!
Depois de ser descoberta, aquela visita perdia a graça e Ela já queria ir para casa outra vez!Mas, lá se sentava na cadeira, junto da cabeceira da cama e ia respondendo a todas as perguntas .
- A minha avó já aí vem com o comer, D. Beatriz. - dizia por fim.
Depois a avó d'Ela chegava com o almoço e dizia-lhe:
- Oh cachopa, fica aí a fazer companhia à Tiz enquanto ela come, que eu vou dar uma arrumadela à cozinha!
E Ela ficava. A velha vizinha era ajudada a ficar apoiada de lado, para poder comer sozinha. A comida era sempre cortada aos bocados, como para bebé, e vinha num prato fundo dentro de um tabuleiro, com uma colher. A velha entrevada tinha um buço espesso e, na maior parte das vezes, a gordura da comida ficava lá presa, então ela limpava-se com um pano de cozinha.
Enquanto a velha dona da casa comia, Ela observava-a e tentava pôr em prática mais uma das suas experiências. De vez em quando, roubava uma folha de alface e metia-a na boca, rapidamente. Fazia isto, não porque tivesse fome, mas apenas porque podia, porque a outra não a via a fazer aquilo. Era um desafio, um desafio à sua destreza infantil e um desafio à cegueira da outra.
Muitas vezes, a velha inválida lhe dizia: - Quando fores mais crescida, mando a costureira fazer-te um fato de empregada à medida, daqueles de bom tecido, com renda na gola e nos punhos e depois vens servir cá para casa!
E a pequena ingénua ficava a imaginar-se assim vestida, de cabelo num apanhado rígido, como as bailarinas russas, com aquela farda austera, que no seu pensamento transmitia respeito.
Sem saber que anos mais tarde a velha morreria, depois a avó morreria, ela mudaria de casa, de bairro, de escola, de família e de planos futuros.
E hoje Ela sorri do seu pequeno pensamento de menina pobre.
Ela, todos os dias, tentava entrar sem ser ouvida, pé ante pé, pelas divisões escurecidas, mas nunca conseguia!
- Quem está aí? - perguntava a dona da casa, do seu quarto de doente.
- É a neta da Ti'Aida! - dizia Ela, baixinho, desiludida.
Mas como é que a D. Beatriz me consegue ouvir a entrar, se eu não faço nenhum barulho!? - pensava Ela. Esta ingénua criatura não sabia que os cegos tinham a audição mais apurada, ninguém lhe tinha dito! Outra coisa que ninguém lhe dizia, era o porquê da casa estar sempre tão escura, sempre com as janelas fechadas. Se a velha dona não podia ver, que diferença fazia? Era como se a casa se tivesse tornado tão doente como a dona!
Depois de ser descoberta, aquela visita perdia a graça e Ela já queria ir para casa outra vez!Mas, lá se sentava na cadeira, junto da cabeceira da cama e ia respondendo a todas as perguntas .
- A minha avó já aí vem com o comer, D. Beatriz. - dizia por fim.
Depois a avó d'Ela chegava com o almoço e dizia-lhe:
- Oh cachopa, fica aí a fazer companhia à Tiz enquanto ela come, que eu vou dar uma arrumadela à cozinha!
E Ela ficava. A velha vizinha era ajudada a ficar apoiada de lado, para poder comer sozinha. A comida era sempre cortada aos bocados, como para bebé, e vinha num prato fundo dentro de um tabuleiro, com uma colher. A velha entrevada tinha um buço espesso e, na maior parte das vezes, a gordura da comida ficava lá presa, então ela limpava-se com um pano de cozinha.
Enquanto a velha dona da casa comia, Ela observava-a e tentava pôr em prática mais uma das suas experiências. De vez em quando, roubava uma folha de alface e metia-a na boca, rapidamente. Fazia isto, não porque tivesse fome, mas apenas porque podia, porque a outra não a via a fazer aquilo. Era um desafio, um desafio à sua destreza infantil e um desafio à cegueira da outra.
Muitas vezes, a velha inválida lhe dizia: - Quando fores mais crescida, mando a costureira fazer-te um fato de empregada à medida, daqueles de bom tecido, com renda na gola e nos punhos e depois vens servir cá para casa!
E a pequena ingénua ficava a imaginar-se assim vestida, de cabelo num apanhado rígido, como as bailarinas russas, com aquela farda austera, que no seu pensamento transmitia respeito.
Sem saber que anos mais tarde a velha morreria, depois a avó morreria, ela mudaria de casa, de bairro, de escola, de família e de planos futuros.
E hoje Ela sorri do seu pequeno pensamento de menina pobre.
v.
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