quarta-feira, 15 de abril de 2015

El Pajaro



O Carteiro de Pablo Neruda, António Skármeta

“- Filhinha, se você confunde a poesia com a política, não demora muito a ser mãe solteira. O que te disse ele?
Beatriz tinha a palavra na ponta da língua, mas temperou-a uns segundos com a sua quente saliva.
– Metáforas.
A mãe agarrou-se à maçaneta da sua rústica cama de bronze, apertando-a até se convencer de que conseguia derretê-la.
– O que tem, mãe? O que ficou a pensar?
A mulher veio para junto da rapariga, deixou-se cair em cima da cama, e com a voz a desvanecer-se disse:
– Nunca te ouvi uma palavra tão grande. Que “metáforas” te disse?
– Disse-me… Disse-me que o meu sorriso se estende como uma mariposa no meu rosto.
– E que mais?
– Bem, quando disse isto eu ri-me.
– E então?
– Então ele disse uma coisa do meu riso. Disse que o meu riso era uma rosa, uma lança que se desembainha, uma água que estoira. Disse que o meu riso era uma repentina onda de prata.
A mulher humedeceu os lábios com a língua trémula.
– E então o que fizeste?
– Fiquei calada.
– E ele?
– O que mais me disse?
– Não, filhinha. O que mais te fez! Porque o seu carteiro além de boca há-de ter mãos.
– Nunca me tocou. Disse que estava feliz de estar deitado junto de uma jovem pura, como à beira de um oceano branco.
– E tu?
– Eu fiquei calada a pensar.
– E ele?
– Disse-me que gostava de mim quando ficava calada, porque estava como que ausente.
– E tu?
– Eu olhei para ele.
– E ele?
– Ele olhou também para mim. E depois deixou de olhar-me nos olhos e ficou muito tempo a olhar para o meu cabelo, sem dizer nada, como se estivesse a pensar. E então disse-me “falta-me tempo para celebrar os teus cabelos, um por um devo contá-los e louvá-los”.
A mãe pôs-se de pé e cruzou diante do peito as palmas das mãos, horizontais como as lâminas de uma guilhotina.
– Filhinha, não me conte mais nada. estamos perante um caso muito perigoso. Todos os homens que primeiro tocam com a palavra, chegam depois mais longe com as mãos.
– Que mal têm as palavras! – disse Beatriz abraçando-se à almofada.
– Não há pior droga que o blá-blá. Faz uma taberneira de aldeia sentir-se como uma princesa veneziana. E depois, quando chega a hora da verdade, o regresso à realidade, reparas que as palavras são um cheque sem cobertura. Prefiro mil vezes que um bêbedo te apalpe o cu no bar, a que te digam que o teu sorriso voa mais alto que uma mariposa!
Estende-se como uma mariposa! – saltou Beatriz.
– Que voe ou que se estenda vem a dar o mesmo! E sabes porquê? Porque por trás das palavras não há nada. São fogos de artifício que se desfazem no ar.
– As palavras que me disse Mario não se desfizeram no ar. Sei-as de cor e gosto de pensar nelas quando trabalho. (...)
 - Primeiro, nota-se à légua que as coisas que te disse foi copiá-las a Neruda.
 - Não, mãe! Ele olhava para mim e as palavras saíam-lhe como pássaros da boca."