"Arte de gritar", de A. M. Pires Cabral
Quisera dizer coisas
que ninguém tivesse dito antes de mim.
Deixar uma pegada sobre a areia intacta,
não sobre outras pegadas que já houvesse lá.
Mas cheguei tarde; os que me precederam
no exercício desta dura arte de gritar
amavam a minúcia, a completude,
nunca deixavam uma tarefa a meio.
Disseram tudo. Deixaram só migalhas susceptíveis
de glosas rasteiras, para eu me entreter
como uma criança pobre brinca com destroços
de brinquedos recuperados do lixo.
E eu digo essas migalhas como quem
escreve a terra em laudas rasuradas.
E escrevê-las-ei mesmo quando
não tenha língua já para as dizer.
(Os poetas entendem-me estes mansos
trocadilhos. Os outros, não importa.)
que ninguém tivesse dito antes de mim.
Deixar uma pegada sobre a areia intacta,
não sobre outras pegadas que já houvesse lá.
Mas cheguei tarde; os que me precederam
no exercício desta dura arte de gritar
amavam a minúcia, a completude,
nunca deixavam uma tarefa a meio.
Disseram tudo. Deixaram só migalhas susceptíveis
de glosas rasteiras, para eu me entreter
como uma criança pobre brinca com destroços
de brinquedos recuperados do lixo.
E eu digo essas migalhas como quem
escreve a terra em laudas rasuradas.
E escrevê-las-ei mesmo quando
não tenha língua já para as dizer.
(Os poetas entendem-me estes mansos
trocadilhos. Os outros, não importa.)